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      Crise da Previdência – Os Números do Governo Desmentem o Governo

Conselho Federal de Economia e do Conselho Nacional da Previdência Social.

            É surpreendente, para aqueles que participaram ou apenas acompanharam os debates na primeira etapa de pressões articuladas visando alterações na estrutura da  previdência social brasileira, nos anos 90, verificar que, agora,  monotonamente a historia se repete.  Na fase atual, além dos textos produzidos intramuros por áreas governamentais, num amplo  esquema de propaganda, a discussão vem se intensificando, com a participação de inúmeros personagens que se dizem preocupados apenas em garantir a sobrevivência do sistema,  o futuro dos trabalhadores.

           Nesse clima alimentado pelos Ministérios da Fazenda e Planejamento, proliferam pacotes de informações dirigidas, postados em sites do governo ou lastreando  discursos oficiais,  textos em revistas de todo o gênero, e uma profusão de entrevistas dos preocupados  reformuladores.   Um bombardeio intenso que se identifica pela mesma matriz, sempre concluindo que a previdência publica e a previdência do setor publico faliram;  e que, sem uma reforma profunda da previdência como um todo, nem a  previdência publica – o regime geral, nem os governos federal, estaduais e municipais, terão como pagar os inativos.  Afirma-se amiúde, sem pudor,  que, sem a reforma salvadora os trabalhadores ficarão abandonados,  desprovidos da aposentadoria. E mais recentemente surgiram, em lance de impensável ousadia e grave irresponsabilidade, anúncios advertindo que sem as mudanças impostas pelo governo programas tais como a bolsa família e o financiamento estudantil, dentre outros, terão de ser  abandonados.  Episódio que mais se assemelha a uma repugnante chantagem, voltada para uma população que, sufocada pela intensa difusão da verdade oficial, tem dificuldades em  distinguir entre a versão e o fato.

            A realidade é que montou-se um quadro desesperador.  Sem lastro, porém, porque fundado em falácias. Números fantasmagóricos são criados da noite para o dia, alimentando projeções para dez, vinte ou trinta anos –  à livre escolha de cada um.  Exatamente como nos anos 90.  Há uma recusa sistemática em se examinar fluxos anuais de receitas e despesas da previdência tratando o sistema segmentado como é:  a previdência urbana – um clássico sistema de repartição  (as contribuições dos trabalhadores ativos de hoje garantem os benefícios aos   já retirados); e a previdência rural, fundamentalmente de caráter assistencial. Procura-se passar ao largo do fato básico de que na Constituição de 1988 foram estendidos aos trabalhadores rurais inúmeros benefícios até então restritos a área urbana, e inclusive se elevou para o equivalente ao salário mínimo o  piso para os benefícios rurais; criou-se, portanto, encargos menos previdenciários e mais meramente assistências, já que desatrelados de fontes próprias de financiamento. 

             Como, porém, a nova configuração de benefícios assistenciais a trabalhadores rurais implicaria em aumento de encargos até então suportados pela sempre superavitária  previdência publica urbana, e dada a consciência de que os dispêndios com assistência social de modo geral, e da saúde, deveriam ter recursos assegurados, houve um desenho especial. Assim o constituinte criou, sob o guarda-chuva de Seguridade Social, um núcleo  reunindo as áreas da saúde, assistência social e previdência social,  financiado especialmente pelas receitas do INSS mais o COFINS e a Contribuição Social Sobre o Lucro Liquido;  tendo ficado destacadas as receitas do  PIS-PASEP, para financiar o também criado Fundo de Amparo ao Trabalhador, dando suporte ao Seguro Desemprego.  É isso que procuram desconhecer aqueles  ávidos para consolidar um novo modelo para a previdência, com benefícios limitados ao salário mínimo –  iniciado na reforma de 1998.  Alguns mencionando jocosamente que qualquer criança comprovaria a existência de déficits na previdência ao perceber que o superávit apontado depende da agregação de receitas de tributos (as contribuições sociais da COFINS e CSLL); outros, extravasando tola presunção, chegam a defender a cassação do diploma de economistas que discordem de suas falácias.

            Ocorre que, tratar a questão da previdência examinando seus vários segmentos, profundamente diferenciados, inevitavelmente enfraqueceria o discurso do caos iminente, que áreas oficiais elegeram como mestre-sala para o ardiloso projeto.

            Não é demais repetir que no caso da previdência social publica brasileira o segmento  urbano conta com elevado nível de receitas próprias, e foi altamente superavitário até 2015; situação apenas revertida em  2016, no bojo de uma crise econômica sem precedentes, com  aumento continuado no número de desempregados, enquanto que a impropriamente denominada previdência rural, na qual praticamente inexistem registros e contribuições individuais, as receitas cobrem menos de 10,0% do valor dos  benefícios.   Entre 2010 e 2015 a previdência urbana acumulou superávits próximos de R$ 100,0 bilhões  – Tabela I – e só em 2016 registrou déficit. Porque, com o aprofundamento da crise, o aumento de receitas foi pequeno – apenas 3,7%, enquanto as despesas publicadas pela Secretaria do Tesouro cresceram em 17,3%, com 11,3% pela correção da inflação; no mesmo período a previdência rural registrou um déficit acumulado da ordem de R$ 368,7 bilhões, que agregaria outros  R$  103,4 bilhões negativos de 2016.

     

            Os números são claros.  Até 2015 insuficiência crescente de recursos na Previdência Rural, num ritmo explicado pela política de continua elevação do salário mínimo real (com pressão de custos anulada pela paralela contenção artificial da taxa de câmbio e de outros preços administrados);  e superávits elevados e estáveis na Previdência Urbana entre 2010 e 2014 – na qual aumentos reais do salário mínimo impactavam mais fortemente no lado das receitas, pela elevação do salário de contribuição, que em relação às despesas, influenciadas, mas não indexadas plenamente, ao salário mínimo.

            Seria extremamente preocupante a evolução recente dos números da previdência social urbana – discrepância entre as taxas de aumento das receitas e das despesas – não fora o fato de as receitas de 2015 – e ainda mais em 2016 – terem sido profundamente afetadas pela conjuntura extremamente desfavorável da economia brasileira, com  o recuo no PIB e aumento do desemprego. 

              DADOS DO GOVERNO DESMENTEM O DISCURSO DO GOVERNO

            Aceito que a previdência urbana vinha apresentando seguidos superávits até a chegada da crise, e que a previdência rural, meramente assistencial, tem recursos garantidos pelo esquema de financiamento da Constituição de 1988, ainda assim poderia permanecer a duvida sobre se o aumento nos dispêndios previdenciários não estaria realmente fora de controle;  como alegam autoridades em geral e especialmente os Ministros da Fazenda e Planejamento, e uma infinidade de patativas mobilizadas  para difundir perspectivas negras, a fim de motivar o apoio de uma população adrede aterrorizada.  É dentro dessa linha de ação, surpreendentemente articulada,  que o Governo e vizinhanças  repetidamente vêm proclamando que o explosivo aumento nos encargos com beneficiários previdenciários é responsável pelos déficits do Governo e impedem a superação da crise econômica. E a conclusão é categórica, na versão oficial: sem reforma da previdência o pais não sai da crise.   Esse  é o discurso que embala uma proposta de reforma que em verdade visa  aprofundar o desmantelamento do Regime Único da Previdência Sócia, ao lado de outros objetivos também pouco republicanos,  iniciados nos idos dos anos 90.

           Pode ser chocante, mas não surpreende, que os dados do próprio Governo, quanto ao impacto dos benefícios previdenciários ao longo do tempo, não só desmentem a tese central turbinada pela teoria do caos, como revelam que os dispêndios com o conjunto da previdência publica vinham revelando ate 2014  tendência  declinante  proporcionalmente ao PIB; exatamente o inverso do que sustentam os porta vozes da nefasta reforma. É o que mostra a Tabela II.

             Diferentemente do discurso oficial que embasa a campanha pela reforma, de que os gastos com a previdência se tornaram incontroláveis, o que se constata dos dados publicados pelo Ministério da Fazenda (Tabela II, A) é que os dispêndios totais da previdência com benefícios – equivalentes a 6,9% do PIB em 2006 – vinham revelando uma tendência de queda relativa desde então – só revertida em 2015, diante do recuo de 3,8% no PIB, quando os gastos passaram de 6,9% para 7,4% do montante global da produção final  de bens e serviços na economia do país.  Os gastos apenas com benefícios urbanos, elaborados com base nas mesmas fontes oficiais, mostram que enquanto os dispêndios equivaliam a 5,5%do PIB em 2006 e 2007, nos anos seguintes os encargos se reduziram para até 5,0% do PIB, situando-se no nível de 5,3% em 2014.  E em 2015, já em plena crise de empregos, o percentual foi de 5,6% – praticamente repetindo 2006 e 2007;  e, não fora a recessão, o percentual no ano de 2015 teria sido de 5,4%  ainda que a economia estivesse estagnada.

             Examinando isoladamente os gastos com as aposentadorias urbanas – item que atrai a artilharia dos reformistas e representa apenas 57,0% do  valor total gasto com  benefícios urbanos – os indicadores são incontestáveis ao também indicar recuo do peso relativo (Tabela II, C);  3,1% do PIB em 2006, redução para 2,9% em quase todos os demais anos que se seguiram, e elevação para 3,2% em 2015, paralelamente à queda do PIB (em 3,8%). 

            Aparentemente desconhecendo tais dados oficiais, autoridade fazendária da área da Previdência, perdida no afã de produzir o imaginário, declara aos jornais que  o objetivo da reforma “é estabilizar as despesas previdenciárias em torno de 8% do PIB nas próximas décadas” (Valor Econômico, 27.01.17, p. A2).    O que apenas confirma o óbvio ululante de que falava Nelson Rodrigues, de que a reforma é desnecessária porque os gastos presentes, além da tendência de redução relativa, são inferiores ao próprio patamar colocado pelo Governo como meta a ser alcançada com a reforma.

            Os números conflitantes, argumentos inconsistentes  e a ansiedade do Governo para rápida implantação das mudanças, levam necessariamente a algumas questões: Onde a caótica situação financeira criada pela Previdência Social – argumento que embasa o discurso oficial  ?   Porque o governo não busca investigar quais os verdadeiros motivos que originaram um movimento articulado pressionando inclusive o próprio Governo, sustentando a falácia da  necessidade e urgência das mudanças ?

            Se o Governo parasse para avaliar o que realmente está ocorrendo, certamente o  Planejamento não teria produzido dados visando convencer  a população da inevitabilidade da reforma, com  o fez com base em fluxos financeiros do núcleo Seguridade, fazendo incluir o  FAT  (que em verdade se alimenta com exclusividade do PIS-PASEP); num lance de mera  astucia, já que dado o aumento do desemprego no bojo da crise, e com a criação do programa de garantia de emprego, o FAT  vem registrando déficit anual.  A intenção do Ministério seria jogar o déficit do FAT no conjunto da seguridade – contrariando a lógica e o desenho constitucional – e assim reforçar o argumento de que COFINS + CSLL não teria recursos para também financiar a previdência (rural).   No mesmo sentido, surpreende a ousadia do Planejamento incluindo como encargos do núcleo Seguridade Social as despesas com a folha de inativos da União – um componente das despesas de pessoal a cargo do Tesouro desde a chegada de Cabral; e que tende a permanecer como tal até que se crie um Fundo de Previdência Complementar para os Servidores admitidos antes de 2003; com o qual, garantidos os direitos dos funcionários, o Tesouro passaria a responder pelos encargos da aposentadoria pelo tempo passado, e o Fundo o faria pelo tempo futuro.   Na ausência de uma solução realista, a engenhosidade do governo procurando jogar a folha de inativos como encargo dentro do núcleo da Seguridade  se revela apenas uma ingênua esperteza.

   TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO LEVARÁ AO ABANDONO MILHÕES DE  TRABALHADORES

            É inevitável concluir que os números divulgados na campanha pro reforma visam, portanto, desviar a atenção para que não se perceba que o apontado descontrole da previdência, que estaria quebrando o país, é totalmente improcedente.  Argumentos sem sustentação voltados para acuar e imobilizar os  trabalhadores, congressistas e outros setores da sociedade.  Uma empreitada que apenas encobre a disputa pelas contribuições sociais que a Constituição de 1998 assegurou para o financiamento da seguridade. Razão porque toda a movimentação comandada pelos Ministérios da Fazenda e Planejamento sinaliza no sentido de gerar recursos para o pagamento de juros, no que se concilia com os interesses do chamado mercado financeiro.  Pouco importando que as mudanças, profundamente danosas, tenham  profundas repercussões políticas e sociais.

            Exigir 15 ou 25 anos de contribuição como tempo mínimo para o direito à aposentadoria marginaliza milhões de trabalhadores que, porque egressos da zona  rural, ou pela fragilidade no mercado de trabalho urbano, não tiveram forças para trabalhar com carteira assinada, condição para figurar como contribuinte à previdência.  Constitui uma aberração, portanto, um verdadeiro escárnio, que uma sociedade cujos governantes não garantem ao cidadão o direito de possuir uma carteira profissional, passe a condicionar a aposentadoria por idade à comprovação de longo tempo de contribuição.   É difícil acreditar que tais regras se enquadrem em dispositivos constitucionais.    Obrigar alguém a preencher um requisito que o cidadão não possui exatamente pela omissão do Estado, não pode fazer parte das regras que presidam o funcionamento harmônico da sociedade.

            A exigência descabida já existente, que se pretende ampliar, já vem elitizando a previdência social brasileira, restringindo o acesso à aposentadoria; e se  agravará uma situação que transforma milhões de trabalhadores idosos em párias da sociedade. Os números da Previdência Social revelam que o crescimento no total de aposentarias urbanas (benefícios concedidos menos benefícios cessados) está praticamente estagnado em torno de 400,0 mil benefícios anuais  (Tabela III) – nível alcançado em meados dos anos 90.

            O resultado se reflete na queda sistemática na relação aumento de aposentados urbanos/população entre 60 e 69 anos, desde 1992;  tendo a proporção de aposentados recuado da uma media próxima de 6,0% em 1992/1995, para pouco mais de 3,0% em 2013/2015.    Essa  queda do coeficiente indica  que, por força da clausula de barreira e comparativamente aos anos 90,  o acesso à aposentadoria é vedado, atualmente, e para cada ano, no mínimo a algo como 450,0 mil trabalhadores (ou 3,0% sobre 15,0 milhões de pessoas na faixa entre 60 e 69 anos);  banidos pela exigência de tempo mínimo de 15 anos de contribuição para direito ao beneficio, nas mudanças de 1998.

            Se a exigência incluída na reforma de 1998, de tempo mínimo de contribuição de 15 anos para a aposentadoria, teve efeito devastador para grande parte dos trabalhadores brasileiros, com o prazo mais longo que se pretende impor sob o falso argumento de  salvar as finanças da Republica o reflexo será ainda mais dramático; possivelmente e de imediato o número de novas aposentadorias urbanas  passará a ser menor que o de benefícios cessados da mesma espécie;  com isso cairia o numero total de aposentados urbanos, até que se extinga, levando ao desaparecimento da rubrica aposentados no rol dos benefícios do Regime Geral.   O que criaria um clima de desespero, de incontida agonia, para milhões de cidadãos abandonados quando mais necessitavam do amparo do sistema previdenciário do Estado. Serviram ao país enquanto força de trabalho; são descartados como inúteis quando a idade avança, como se a sociedade procurasse apenas aliviar-se de um peso.

             Ao impacto da exigência de longo tempo de contribuição para o acesso à aposentadoria se somam os reflexos da exigência da idade mínima de 65 anos para acesso ao beneficio.  Se em vigor em 2015, a regra teria alcançado  um total de 315 mil trabalhadores urbanos que se aposentaram com até 64 anos por tempo de contribuição (ou 98,8% do numero de benefícios da espécie então concedidos);  e apenas 3.932 trabalhadores teriam obtido o beneficio.    E nas aposentadorias urbanas por idade, mais de 153,0 mil teriam sido barrados, ou 53,2% do total.   No conjunto das duas espécies do Regime Geral urbano, a cláusula restritiva teria barrado perto de 469,0 mil trabalhadores – ou 77,1% do total de 608,0 mil benefícios.  Um efeito devastador.            

            Falar-se que a previdência publica avança na elitização seria, todavia, inadequado. Pois a nova etapa de mudanças segue a mesma estratégia obedecida na reforma de 1998, que busca alcançar dois objetivos:  transformar o regime  geral num sistema de  benefícios nivelados ao salário-mínimo.  E a concentração em direção a tal nível vem sendo muito rápida, com 43,4% das aposentadorias urbanas emitidas em 2015  (Tabela IV) situadas na  faixa de um SM, enquanto 67,3% dos benefícios estavam entre um e dois SM.  Situação que evidentemente força os assalariados com ganhos acima desses níveis a recorrer, na busca de  complementação, a fundos de pensão junto ao sistema financeiro.         

             A outra meta, ainda mais perversa, lastreada no requisito de 15 ou 25 anos, visa eliminar do sistema os trabalhadores menos qualificados, de menor renda, mais frágeis no mercado de trabalho – aqueles, desprovidos do direito elementar da  carteira assinada;  com o que no global serão  reduzidos os dispêndios com aposentadoria, com  excedentes maiores na previdência urbana,  que assim poderia assumir maiores encargos assistenciais da previdência rural.  Na essência trata-se de uma estratégia voltada para garantir superávits primários na execução orçamentária – à custa dos trabalhadores – no objetivo de assim cobrir  ao menos parte da galopante conta de juros. 

             O que se presencia, portanto, é o desdobramento de ações dentro de uma engenharia ardilosa, que aparentemente se sustenta, e dá sustentação, à uma nebulosa aliança entre sistema político e  sistema financeiro, sedimentada em torno de uma inacreditável conta de juros a cargo do Tesouro;  sobre uma divida impagável criada pela política  monetária – que tem se situado mais recentemente  entre R$ 400,0 e R$ 500,0 bilhões anuais.  É esse  resultado de uma desastrosa administração das finanças publicas que vem se pretendendo atribuir aos regimes previdenciários.  Inclusive no que  toca aos governos estaduais, espoliados pelo Tesouro com juros escorchantes nos refinanciamentos do final dos anos 90.

            Como a pretendida reforma da previdência se explica como uma etapa decisiva da disputa sobre os recursos que a Constituição de 1988 destacou para a Seguridade Social (R$ 270,0 bilhões em 2015,  destacados para Saúde, Assistência Social e Previdência Social – nesta  aportados para o segmento rural), um novo episodio se deve esperar envolvendo  mudanças nos critérios constitucionais de alocação das receitas do  COFINS e da Contribuição Social Sobre o Lucro Liquido.  Momento em que estarão em risco também os recursos garantidos pela Constituição de 1988 para as áreas da  Saúde e Assistência Social; além da possível tentativa de criação de encargos adicionais a agricultura para substituir Cofins+CSLL no financiamento da previdência rural.  Afinal,  trata-se claramente do avanço de um projeto que caminha para o  desmantelamento da estrutura financeira que lastreia o arcabouço da política social que norteou a Constituição de 1988. 

                    PREVIDÊNCIA DO SETOR PUBLICO. MAIS UM FALSO DILEMA

            Outra aberração, e das mais gritantes, no contexto da pretendida reforma da previdência, é a versão sustentada pelo Governo, extremamente prazerosa para o  chamado mercado, de que o setor público tem um colossal déficit previdenciário, que continua se agravando, sendo responsável pelo aumento incontrolável da divida publica.  O que significaria um sistema falido, que não oferece qualquer garantia aos servidores  de que se  possa continuar pagando as aposentadorias e pensões do funcionalismo.

              Não cabe, nos limites do presente texto, analisar na amplitude que merece, a questão da alegada explosão de gastos do Governo Federal com inativos – que é apenas outra vertente do esquema de transferir encargos do Tesouro para terceiros,  a fim de gerar excedentes orçamentários – os ambicionados superávits primários. Mas ainda assim se impõe demonstrar, novamente com números do próprio Governo, que todas as  afirmações que embalam a retórica dos Ministérios da Fazenda e Planejamento não se sustentam.  Trata-se da difusão de dados irreais para atrair apoio ao objetivo de, com 99% do funcionalismo federal desprovidos de regime próprio de previdência (dada a histórica inépcia do próprio Governo),  procurar o caminho absurdo de jogar o custo da folha atual com inativos sobre o  próprio funcionalismo.   O que, é verdade, seria facilmente alcançável com uma contribuição de apenas 40,0% sobre os vencimentos de  ativos e inativos.  E após o desconto do imposto de renda – que por razões óbvias não tem as faixas corrigidas pela inflação – talvez o servidor venha a receber um liquido não muito abaixo da metade dos salários. 

             As despesas com os inativos e pensionistas da União são inquestionavelmente relativamente decrescentes – contrariando a cantilena governamental. Basta a análise dos dados da Tabela V para se concluir que tais despesas  com aposentadorias, assim como o global de despesas de pessoal, não estavam fora de controle, não estão fora de controle, e caminham em sentido contrário, com queda sistemática no peso relativo.  É o que vem se verificando  na relação entre o total das despesas de pessoal, ou as despesas com inativos, comparativamente ao PIB, ou ao Total de Gastos Primários do Governo Federal (Total de Despesas Não Financeiras). Ou, em relação aos inativos, também o percentual frente ao montante total das despesas de pessoal. 

           

            Seria desnecessário acrescentar que os dados do Ministério do Planejamento-SOF, disponíveis na internet,  confirmam essa tendência declinante dos encargos do Governo com seus servidores, em relação às despesas não financeiras do Tesouro. E os números seriam estarrecedores na hipótese de comparação das despesas com inativos frente ao global das despesas do Tesouro  (despesas primárias mais despesas financeiras); tal a proporção alcançada pelos gastos com juros, explicado pelo impróprio relacionamento entre Tesouro e BC.

            O conflito entre o discurso oficial e os números do  Governo, sugerem a necessidade de uma revisão da base de dados que vem orientando o posicionamento tanto dos Ministérios da Fazenda e Planejamento como da própria Presidência da Republica, no trato das questões que envolvem as finanças governamentais. 

              ONDE BUSCAR RECURSOS PARA REFORÇAR O ORÇAMENTO FEDERAL

            Seria um preço muito alto, e de conseqüências graves e irreversíveis, aprofundar o desmonte da previdência publica na busca de sobras orçamentárias, num momento de crise. É insensato provocar danos estruturais para enfrentar problemas conjunturais, ou não permanentes.   Se Fazenda e Planejamento querem recursos novos, existem alternativas. Basta, por exemplo, e com  mudanças institucionais, suspender as transferências de 40,0%  das receitas do PIS-PASEP para  o BNDES – atualmente perto de R$ 25,0 bilhões anuais; afinal depois de quase 30 anos de repasses, a intenção da constituinte de reforçar o Banco já foi alcançada, com os R$ 250,0 bilhões  acumulados até agora.

            Outra fonte de vazamento de recursos do Tesouro poderia ser facilmente corrigida  através da revisão das relações Tesouro/Banco Central;  pois este recebe anualmente um subsidio  que antes da crise chegava a algo como R$ 20,0 bilhões, ao de apropriar  sem contrapartida  do valor equivalente  às emissões de papel moeda; e outros R$ 30,0 ou R$ 40,0 bilhões anuais o BC vem ganhando indevidamente ao aplicar em títulos públicos (ou outros ativos), em torno de R$ 230,0 bilhões de recursos de custo zero correspondentes ao Meio Circulante que administra; montante  resultante da acumulação das emissões cujo poder de compra de fato pertence ao Tesouro.

            Essas três fontes proporcionariam um aumento de receitas para o Tesouro  em torno de R$ 40,0 bilhões anuais (com realocação do PIS-PASEP e dos ganhos com emissões), e ainda uma redução nos encargos com juros líquidos de no mínimo outros R$ 30,0 bilhões, com o BC remunerando o Tesouro pelo saldo do Meio Circulante, com base da Taxa Selic, como feito com  os saldos da Conta Única do TN no BC.   Sem nada de grandes novidades, ou simulacro através de  pedaladas.  Apenas dando a Cesar o que é de Cesar.          

 

  Publicado na Revista de Conjuntura, Conselho Regional de Economia do DF, Brasília,  Ano XVI,  No. 59,  Set./Dez-2016-Jan/Abril-2017,  p. 54-58.

    -dgm./12.02.2017

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foto autor do post

Dércio Garcia Munhoz

Economista