III. In Previdência – O Que Leva o Governo a Querer Confiscar Trilhões dos Trabalhadores ?
In-Previdência
III. O Que Leva o Governo a Querer Confiscar Trilhões dos Trabalhadores ?
Dercio Garcia Munhoz. Economista Emérito pelo Corecon-DF. Foi Professor Titular de Economia da UNB. Ex-Presidente do Conselho Federal de Economia e do Conselho Nacional da Previdência Social
O Governo quer reduzir despesas. E o caminho escolhido foi confiscar trilhões de reais dos trabalhadores, num esquema amplamente detalhado em documentos oficiais. Não deixando dúvidas sobre quais os alvos, e o montante da contribuição de cada grupo.
O que surpreende, todavia – mas não tanto – é que enquanto o Ministério da Economia busca reduzir pagamentos em valores próximos de R$ 4,5 trilhões em duas décadas (em moeda de 2019), postergando ou negando benefícios, o mesmo governo gastou com juros, entre 2002 a 2018 e em valores de dezembro/18, montante ainda maior – R$ 4,7 trilhões. Sim, perto de cinco trilhões de reais !
É inevitável, diante da proximidade de valores, presumir que todo o açodamento governamental para avançar sobre o sistema previdenciário – num movimento que tanta ansiedade provoca no mercado financeiro e arredores – visa efetivamente desviar recursos para cobrir parte da incontrolável conta financeira. Dispêndio que não tem controles, não tem limites, independe do Orçamento.
Daí se compreende porque, matreiramente, o Ministério da Fazenda, em seus demonstrativos mensais (Resultados do Tesouro) sistematicamente sempre omitiu as despesas financeiras. E desde Meirelles/Temer – e mais enfaticamente no atual governo – tais demonstrativos do TN, estruturados e publicados desde 1995, são continuamente modificados, sem razões plausíveis, a não ser dificultar a avaliação das receitas e despesas federais.
A não transparência nas finanças do Governo abre espaço para que este alegue, falsamente, que os déficits orçamentários, e o conseqüente crescimento da divida publica federal, decorrem de excesso de gastos fiscais, como a folha de salários dos servidores, ou rombos da previdência, auxilio aos idosos, e tudo o mais que caiba na imaginação.
Mas, alto lá ! A questão é muito mais grave. Pois, anda que o Governo triplicasse o confisco que pretende impor, ou destruísse a previdência oficial – desejo evidenciado a todo momento – obrigando os trabalhadores a saltar a etapa de aposentadoria em sua passagem pela terra, de nada adiantaria.
O fato é que, como o Banco Central vem premiando o capital financeiro com juros em torno de 10,0% anuais – R$ 1,1 bilhão por dia – a divida publica mobiliária federal interna, que ao final de 2018 se aproximava de R$ 4,3 trilhões (já deduzidos os depósitos do TN no BC), deverá alcançar R$ 11,0 trilhões ao final de dez anos (em 2028); saltando para inacreditáveis R$ 28,7 trilhões em vinte anos (em2038). Dados que deixam claro que os encargos financeiros do Governo Federal, com a política monetária centrada em títulos públicos, são impagáveis.
Esse descontrole das contas públicas, acaba explicando outro movimento que vem sendo ensaiado pelos mandarins que capturaram a gestão da economia brasileira: a liquidação de todas as empresas estatais – do Banco do Brasil à Petrobrás, passando por Caixa Econômica, Correios, Eletrobrás, etc., etc.. E assim, num verdadeiro arrastão, talvez consigam dinheiro para cobrir seis ou oito meses de despesas de juros. E depois ? Vender mais o que ?
Mas porque, diante disso tudo, e dos riscos de que a insensatez, desorganizando a economia e desestabilizando o quadro social, agrave ainda mais uma crise inquietante, não se vê reação por parte de diferentes setores da sociedade ? A hipótese mais provável é que a inércia estaria associada a ações governamentais pouco republicanas – que eram repudiadas em passado recente; e à névoa que o Governo vem lançando através da mídia. Num espetáculo deprimente, com inúmeros veículos de informação jogando por terra uma credibilidade conquistada em décadas de trabalho sério e independente.
Não se pretende que a mídia seja gratuitamente contestadora, parcial, partidária. Longe disso. Mas que seja investigativa, premie o contraditório, afaste o risco de ser confundida como mera repetidora de press-release.
Sabendo um pouco mais da realidade – aquilo que diferentes governos têm procurado esconder – aguarda-se que o Congresso assuma plenamente as responsabilidades que lhe cabem, definindo posições que são inadiáveis. Seria a ultima barreira ao avanço da insensatez.
Espera-se, também, que o batalhão de empresários que batem bumbo para a reforma da previdência sem avaliar suas graves conseqüências, despertem da letargia e contribuam para abortar medidas política e economicamente suicidas. Mas para isso precisam, num instinto de sobrevivência, distinguir aquilo que lhes pareça lanças, de temíveis bumerangues.
-dgm./06.07/2019
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Dércio Garcia Munhoz
Economista