Fechar

Imperioso Reverter a Crise Gerada por um Conjunto de Heresias

    IMPERIOSO REVERTER A CRISE GERADA POR UM CONJUNTO DE HERESIAS

  Quando a economia brasileira se avizinha do quinto ano consecutivo de crise profunda, sucedendo-se anos de paralisação e anos de depressão, é forçoso que todos os holofotes sinalizem a busca da retomada do crescimento como prioridade absoluta.  Mas será impossível reorientar a economia se antes não se chegar a algum consenso sobre as causas de uma crise marcada por desemprego alarmante.   

      Haveria consenso, porém, em admitir que o desemprego alcançado é um flagelo.   Um flagelo econômico, que, nos reflexos, gera um flagelo social.

      Não se pode dizer que o Brasil seja um estreante quanto a elevados níveis de desocupação. Registramos problemas no mercado de trabalho nos primeiros anos da década passada.  Mas antes disso, entre 1993 e 2002 o emprego industrial chegou a registrar sensível recuo, como reflexo da política de estabilização de meados dos anos 90, que provocou grave perda nas rendas do trabalho (salários e renda de autônomos); estas recuaram em dez pontos de percentagem em proporção ao PIB, enquanto a carga tributária se elevava em igual proporção. 

     As crises de emprego das ultimas décadas estiveram interligadas a políticas econômicas que de algum modo enfrentavam constrangimentos inéditos.   A crise de emprego atual se associa à queda vertiginosa da produção, com um recuo do PIB superior a 7,0% no biênio 2016/17 – após a quase estagnação de 2015.  Mas não existem razões secretas para o desastre.  Tudo decorreu, e decorre, como efeito de decisões ilusórias desde a ultima década, e dos remédios impróprios a que se recorreu em anos recentes  para enfrentar os problemas na hora da verdade – o momento inevitável e inadiável de se corrigir os artificialismos.

       A Elevação dos Juros Paralisa a Economia e Dobra o Desemprego em um Triênio

              Acompanhando a tendência do produto real, o nível de desocupação na economia brasileira em 2012/13 situava-se nos patamares observados desde 2008 – entre 6,0% e 8,0%, ou entre sete e oito milhões de desocupados. E assim se manteve até o primeiro semestre de 2015, quando acelerou, chegando aos 9,0% no trimestre final, para, em 2016.   ultrapassar 11,0 milhões de pessoas sem trabalho, com aumento de três milhões em apenas um ano;   e o contingente não pararia de crescer, até atingir perto de 14,0% em 2017 – mais de 14,0 milhões de pessoas sem trabalho.  Refletindo  uma situação extremamente grave, emergencial.

       O Governo, todavia, parece não ter entendido o que ocorria, e como reagir.  E essa percepção se deve ao grau de autonomia do Banco Central para tomar medidas que extravasam de muito o campo monetário. Esse arranjo que concentra poderes na autoridade monetária, deixa evidente a inépcia dos Ministérios da Fazenda e Planejamento, transformados em meros coadjuvantes sem voz.  Modelo que transformaria  o pais de uma economia produtiva em uma economia de rentistas, com as decisões centradas no o objetivo de evitar a fuga  de perto de oitocentos bilhões de dólares de escorregadios  capitais de curto prazo,  o que exauriria as reservas internacionais do pais.

    Consolidado esse modelo institucional, é compreensível que Fazenda e Planejamento, à margem do processo de decisões, procurem meios de também se cacifar junto aos mercados financeiro e de capitais. O que explicaria porque tais Ministérios criaram  nos últimos anos um turbilhão de fake news  (noticias falsas)  tendo a previdência social e o funcionalismo como alvos preferenciais.  O que torna nítido que a crise e suas causas e consequências, a ninguém sensibiliza. Enquanto o mercado, e seus interesses, são tratados como verdadeiros primus inter pares.

       A crise enfrentada pela economia brasileira, e para a qual proliferam explicações simplistas, quando não falaciosas – tem causas  bem definidas.  Não que a questão fiscal, derivada da crise, não seja importante.  Mas surpreende, por exemplo, que o Governo encubra sistematicamente que o aumento da divida publica federal não se explica pelos desequilíbrios recentes do orçamento fiscal – como apregoa –  mas sim  porque o Tesouro pagou mais de R$ 1,6 trilhão de juros apenas  no quinquênio 2013/17. Parece, portanto, existir algo mais no Reino da Dinamarca.

                    Como a Economia Brasileira foi Profundamente  Desestruturada

        Para que se entenda a natureza das intervenções sofridas pelo sistema econômico, através de decisões do Governo, e cujos reflexos provocaram  os graves desarranjos presentes nos últimos anos, é necessário ter em conta que, para que um processo inflacionário seja revertido é necessário que haja  perdedores definitivos de rendas reais.  O que significa detentores de rendas que absorvam perdas, não repassando, total ou parcialmente, aumentos de custos. E as perdas teriam de ser assumidas pelos setores que dela se apropriam – governo, empresas, famílias.

      É essa massa de rendas – mais as exportações – que alimenta a procura de bens e serviços, perfazendo a demanda final, na qual o 64.0% correspondem ao Consumo das Famílias.  Donde qualquer evento que altere a participação das rendas das famílias no global  tende a refletir nos níveis da demanda final, e, consequentemente, na produção e no emprego.  Devendo merecer atenção especial.

       No Brasil das ultimas décadas muitas das regras mais simples ligadas ao funcionamento do sistema econômico foram relegadas – atropeladas na busca de situações politicamente atraentes, ainda que logicamente absurdas.  Assim em grande parte das duas primeiras décadas do século XXI o Governo enveredou pelo caminho de reduzir artificialmente custos na economia, contendo preços de itens tais como energia, combustíveis, e bens importados ou que utilizem insumos/componentes importados (via câmbio valorizado).  Isso teve consequências politicamente favoráveis, porque consistia num meio de aumento do poder de compra da população. E o redutor de custos assim inserido na economia permitiu, ainda, uma elevação continuada do salário mínimo real, sem reflexos inflacionários. Dois fatores atuando, portanto, para melhoria do padrão de vida.

     O modelo milagroso logicamente encantou a muitos. Era como encontrar o lendário pote de ouro da mitologia irlandesa. Dando margem à ilusão de que 40 milhões de pobres haviam sido, num passe de mágica, incorporados à classe média. Mas o sonho se desfaria, como inevitável, quando, nos primeiros meses de 2015, tornou-se impossível sustentar os preços artificiais que temporariamente funcionaram como âncoras de um pseudo processo redistributivo.    Seguiu-se, portanto, a revisão do câmbio e de preços e tarifas nas áreas classificadas como monitoradas, o que naturalmente refletiria no poder de compra dos assalariados e nos índices de preços.

     A correção de rumos significava que o sistema econômico impunha, via mecanismos de preços, a reversão do ilusório fluxo de rendas da década passada.  Tornando claro que não se havia feito então, uma verdadeira transferência de rendas, com ganhadores e perdedores definitivos. E isso porque congelamentos ou contenção de preços são instrumentos quando muito temporários, pois desorganizam a produção/distribuição de bens/serviços.

      Mas o pior viria nos desdobramentos. Pois as autoridades monetárias, dogmáticas,  agiram como se os aumentos de preços decorressem de pressões da demanda.  E assim se inicia a fase mais conturbada de desorganização do sistema produtivo.

                  As Ações do Governo que Geraram Uma  Crise Avassaladora 

    A hipótese inicial é que o Governo passou a aumentar as taxas de juros da economia (via  Selic) para, elevando as despesas financeiras das famílias, reduzir a demanda; movimento acompanhado pelo paralelo aumento dos custos financeiros das empresas, forçando alta dos preços.   Daí, com a inflação acelerada e dois vetores atuando para redução da demanda das famílias, viriam a queda da produção, do emprego e dos salários, fazendo recuar ainda mais  a massa de rendas das famílias.   Seria alcançada, assim, a meta do modelo para queda nos custos das empresas, com os assalariados – o grupo mais frágil quando acirrado o conflito distributivo – eleitos como perdedores definitivos de rendas reais..   

      A estratégia provoca, portanto, com o BC turbinando a Selic, uma aceleração da inflação e  recuo na demanda.  E o banco em seguida utiliza o aumento dos preços que provocara, para justificar novos aumentos nos juros, alegando inflação por pressões da demanda.  E, como consequência de um recuo ainda maior no consumo,  menor a geração de tributos, e entra em cena a crise fiscal.  Sem dúvida um processo diabólico.

      É fato que o aumento dos juros (taxa Selic) na atual década se deu a partir de abril de 2013, quando a inflação semestral estava estabilizada em torno de 3,0%.   Mas esse movimento naquele ano, com a Selic saltando de 7,25% para 10,0% a.a. entre janeiro e novembro, teria o objetivo de proporcionar ganhos ainda mais atraentes para conter a fuga dos capitais especulativos  coincidentemente quando a Bolsa de Valores, a alternativa para os capitais voláteis, registrava seguidas quedas, afugentando investidores.

       Ocorre que a elevação da Selic, além de todos os males é responsável pelo crescimento explosivo da divida publica  e não a previdência ou outros fantasmas favoritos das Fake News oficiais – tendo as despesas de juros do Tesouro superado R$ 1,6 trilhão apenas no ultimo quinquênio (2013/17).  Razão porque, ansioso para obter recursos para pagar juros, atendendo às pressões do mercado, o Governo e a maioria dos candidatos caminham para leiloar todas as estatais, torrar o patrimônio publico. A rifa da Eletrobrás vai garantir o pagamento de dez dias de juros. Sucesso !    

     A continuada elevação dos juros via aumento da Selic alcançaria a taxa anual de 11,75% no trimestre final de 2014, embora a inflação semestral permanecesse estabilizada em níveis baixos.  Mas de fato naquele ano o Banco Central não afirmava, em seus comunicados à imprensa, que os aumentos da Selic eram fruto de pressões inflacionárias.   Já no inicio de 2015, porém, o BC muda o discurso para justificar nova elevação da taxa Selic, e em Nota de 21 de janeiro coloca a inflação como vilã: “Avaliando o cenário macroeconômico e as perspectivas para a inflação, o Copom decidiu . . . ”.  E assim agiria o BC nos novos aumentos da Selic, que se repetiriam até julho de 2015.

    Surpreende que o Banco Central recorresse a um clássico do discurso ortodoxo – inflação por pressão da demanda.  Já que o salto observado nos preços a partir de janeiro/2015 nada tinham a ver com os níveis de demanda, pois se localizavam nos Preços Monitorados;  fruto da correção dos  preços relativos, após anos de intervenção e distorções.  Ficando evidente que o Banco Central, dogmático,  buscava provocar  redução do poder de compra das famílias e, com mais inflação e menor demanda/produção/ emprego fazer recuar os custos do trabalho para conter a inflação. O resultado foi um nível dramático de desemprego – perto de 14,0 milhões de pessoas, com a economia mergulhada em crise profunda e queda de 7,1% no PIB no acumulado 2015/16.

    A decisão por sucessivas elevações da Selic tem um efeito de caráter confiscatório sobre a renda dos assalariados.  As famílias perdem pagando mais juros; perdem com os aumentos de preços face juros maiores das empresas; e por ultimo perdem com menos empregos e menor massa de salários.

     O resultado é que as despesas de juros das famílias (crédito com recursos livres) saltaram de R$ 300,0 bilhões anuais em 2012/13, para R$ 570,0 bilhões estimados para 2016  (R$ 520,0 bilhões em 2017); e no caso das empresas, de R$ 200,0 bilhões para perto de R$ 350,0 bilhões no mesmo período (R$ 280,0 bilhões em 2017).  No caso da massa de salários o maior desemprego provocou uma perda estimada em  R$ 105,0 bilhões em 2016 e em perto de R$ 200,0 bilhões  em 2017. Considerando que a renda de empregados somava pouco menos de R$ 2,7 trilhões em 2015, conclui-se que o modelo de intervenção seguido pelo  Banco Central a partir do segundo semestre de 2013 teve um impacto fulminante, e mesmo fatal, na economia brasileira.

          A crise não se explica, portanto pela previdência, pelas pedaladas, ou pela falta de investimentos. Claro que estes vão depender da recuperação da demanda. Para sair da crise, portanto, talvez apenas um refinanciamento pelos bancos para as dividas das famílias, no estilo refis, com exclusão parcial dos juros extorsivos e adequadas regras de prudência – mais a reativação da taxa de paridade para o câmbio comercial, possam constituir solução. 

 

Publicado no Jornal dos Economistas,  Corecon/Sindecon, Rio de Janeiro, no. 348, Agosto de 2018, p. 07-09

-dgm./17.07.2018-Rev

Compartilhar
foto autor do post

Dércio Garcia Munhoz

Economista