Lava-Jato e Desacertos das Políticas Monetária e Fiscal
LAVA-JATO E DESACERTOS DAS POLITICAS MONETÁRIA E FISCAL
A intensificação da ação repressiva do Estado sobre práticas ilícitas que vinham prosperando na execução de contratos governamentais, teve o efeito de um verdadeiro tsunami. Envolvendo a apuração de atos passados, e mesmo recentes, com incontáveis e até então insuspeitas ramificações, e com incontáveis reflexos.
Como logo se concluiu que o problema se originara em obras e serviços em determinados setores, inevitável que as ações policiais e da Justiça tivessem impactos concentrados sob dois aspectos: por um lado sobre os negócios de um grupo de grandes empresas da área da construção, naturalmente fragilizando-as; e, por outro lado, contendo, ou mesmo paralisando investimentos governamentais e de estatais, tanto pela necessidade da revisão ou inovação nos instrumentos de controle, como pela magnitude dos malfeitos e das perdas financeiras requerendo apuração.
As ações anticorrupção, consagradas pela designação de Lava-Jato, passaram, num segundo momento, ora a ser associadas às dificuldades financeiras das empresas, com obras paralisadas e impedidas de participar de novas licitações, ora à queda dos investimentos governamentais. Criou-se, então, uma versão sorrateira, de que a Lava-Jato era responsável pela desestruturação especialmente das grandes construtoras, colocando em cheque a sobrevivência destas, em prejuízo do país.
A SIMULTANEIDADE DE DUAS GRAVES CRISES
Nos desdobramentos a ação do Lava-Jato tem tido, é inegável, implicações que se manifestam em diferentes crises: a) microeconômica, na medida em que foram e estão sendo afetadas, porque denunciadas, inúmeras grandes empresas brasileiras; b) macroeconômica, dada a paralisação de obras de grande porte – e suspensão de novas licitações – com reflexos no emprego e na renda. Mas daí a acusar a investigação, e os investigadores, como responsáveis pelos indesejáveis reflexos econômicos entrelaçados com a ação da Justiça, vai uma longa distância. Já que as coisas – o problema e as possíveis soluções – não são tão simples como possam parecer.
No aspecto microeconômico, é claro que a ação da Justiça na apuração de um surpreendente cipoal com ramificações de ilícitos, teve impacto na vida das empresas envolvidas. Mas isso era inevitável, dada a extensão, complexidade e implicações ligadas às operações suspeitas.
E para que o processo fosse mais lento que o desejável, como ocorreu, frustrando a possibilidade de serem abreviados acordos de leniência e a volta das empresas à normalidade das operações, contribuíram as próprias empresas envolvidas. Pois é evidente que a longa resistência destas em reconhecer ou confessar os meandros dos esquemas de corrupção, retardou, e tem retardado, a apuração do alcance e dimensões dos desvios.
No aspecto macroeconômico também não se pode imputar só à operação saneadora a retração em novas obras que poderiam acionar empresas médias não envolvidas nas tramoias, mantendo um nível mínimo de atividades do setor, preservando empregos e rendas. E a razão simplesmente é que a virtual paralisação dos investimentos federais, inclusive de estatais – está atrelada à outros desarranjos: a) o explosivo crescimento do endividamento liquido da Petrobrás (R$ 18,8 bilhões em 2006, R$ 62,1 bilhões em 2010 e R$ 382,1 bilhões em 2015); para o que contribuiu a política de contenção dos preços de combustíveis; forçando a empresa a subsidiar o consumo para redução artificial da inflação, em manobra oficial também adotada para o câmbio e para os preços da energia; b) os desdobramentos da grave e duradoura paralisação da economia brasileira que perdura desde 2014.
A crise da economia, é necessário frisar, tem como fontes dois fatores sem ligações com o Lava-Jato: por um lado o desvario de medidas da dupla Banco Central/Fazenda, visando conter a inflação a qualquer preço, desde que em 2013 se exauriu o modelo de preços represados, introduzido em meados da última década; e, por outro, o descontrole dos gastos federais no pré-eleições de 2014. Nesse ambiente de desorganização do sistema econômico, os investimentos no país recuaram de 21,8% do PIB – nível mantido entre 2010 e 2013, para 17,6% em 2015 e apenas 15,4% em 2016. Os gestores da economia – de antes e após 2013 – e não o Lava-Jatos, é que puseram o país à deriva.
ESGOTA-SE EM 2013 O ESPAÇO PARA UM MUNDO DE ILUSÕES
Qualquer medida voltada para criar artificialismos – seja através de administração de preços, da taxa de câmbio, das taxas de juros, etc. – tem um tempo de vida limitado. Isso porque sempre que se force a redução de preços na economia, sem mecanismos compensatórios, o efeito imediato é que um grupo de agentes passa a enfrentar redução de receitas sem redução de custos, enquanto outros se beneficiam de um aumento do poder de compra e do nível de bem estar – sem que efetivamente se esteja fazendo uma transferência de rendas com caráter permanente. Essas medidas artificiais transmitem à população a sensação de uma melhoria do nível de renda; permitindo que se propague, enganosamente, que as famílias se viram alçadas a grupos de renda superiores. Algo como dizer que dezenas de milhões de famílias milagrosamente saltaram de classe – inchando a classe média – que foi o chavão preferido na propaganda oficial.
Praticada no Brasil desde meados da década passada, a estratégia do Governo criando falsas euforias, de grande impacto político apesar de apenas temporárias – teve o ônus jogado sobre a Petrobrás, o setor elétrico, a industria manufatureira. Evidentemente que inviabilizando empresas dado o endividamento que provocava – como foi o caso da Petrobrás e das elétricas, ou fechando milhares de empresas e milhões de empregos quando o câmbio barato quebrou a competitividade externa e interna das industriais.
A situação tornou-se insuportável quando, ao final de 2013, o recuo da taxa efetiva de câmbio chegou a perto de 50,0% em relação à média 2009/2011 (seção Conjuntura Estatistica da revista Conjuntura Econômica, FGV); as empresas do setor elétrico eram sufocadas pelo acumulo de desequilíbrios financeiros; e o endividamento líquido da Petrobrás era, em 2013, quase quatro vezes maior que o nível de 2010. Chegava-se a um ponto limite – como já ocorrera ao final de 1998 – e o realinhamento do câmbio e demais preços administrados tornava-se imperioso.
A DESASTROSA ATUAÇÃO DO BANCO CENTRAL/FAZENDA DESDE 2013
Quando o Governo decide por uma taxa de inflação artificialmente baixa, manipulando o câmbio e outros preços, tem plena consciência de que trata-se de medida temporária; e que quando exaurido o fantasioso modelo, inevitável que a inflação de proveta dê lugar a uma elevação no nível dos preços, na acomodação para a recuperação de rentabilidade dos setores sufocados. E nessa hipótese só resta ao governo admitir o movimento de recomposição de custos e preços, e a partir disso buscar alternativas que permitam um processo de reacomodação das rendas com o mínimo de desarranjos derivados. O crescimento econômico deve ser visto, então, como aliado essencial.
Ora, quando se impôs o rearranjo de custos e preços na economia brasileira, a partir de 2013, surpreendentemente a dupla Banco Central/Fazenda passou a atribuir as pressões sobre os preços a um pseudo excesso de demanda; e a partir daí acionou os instrumentos ortodoxos de política monetária – fundamentalmente a elevação das taxas de juros – com efeitos paralisantes sobre a atividade economica. E o fizeram mesmo presenciando uma economia com elevado nível de capacidade ociosa e próxima da estagnação.
O resultado foi que as famílias (pessoas físicas) enfrentaram um aumento absurdo nas despesas com juros; e tais encargos (apenas nos empréstimos com recursos livres), saltaram de R$ 260,0 bilhões estimados para 2012, para R$ 375,0 bilhões em 2014 e R$ 580,0 bilhões em 2016. Mais que dobrando, no período, quando o saldo dos empréstimos, pouco crescera. Decretavam, portando, as autoridades, com juros estratosféricos, a paralisação da economia.
Igualmente, como decorrência da elevação da Selic (aproximadamente de 9,0% em 2012 para 14,0% a.a. em 2016), explodiram os gastos do TN com juros da divida publica e com inaceitáveis operações do BC com títulos públicos. E as estimativas indicam que tais dispêndios se elevaram de R$ 185,0 bilhões em 2012 para R$ 450,0 bilhões em 2016 (mesmo compensada a remuneração dos depósitos do Tesouro no BC). Um desvario praticado impunemente pelo Banco Central, com a conivência do Ministério da Fazenda.
Não se pode concluir apenas que as autoridades perderam a noção do impacto de suas decisões sobre o funcionamento do sistema econômico. Mais que isso, inconscientemente jogaram o pais numa crise sem precedentes, ao mutilar as duas principais fontes que acionam a produção e o emprego: a demanda de exportações e a demanda das famílias.
E, atônitos, os criadores do caos se mostram incapazes de reverter a decomposição que provocaram. Independentemente das ações do Lava-Jato. Acenando apenas que a salvação se dará com a destruição da previdência social, adotando plenamente o modelo Pinochet, como ansiosamente cobrado pelo influente e misterioso mercado. O que atesta o fracasso da gestão econômica com plena liberdade às autoridades da área para experiências que desarticulam o sistema econômico, levando dezenas de milhões de trabalhadores ao desemprego e ao desespero, e paralisando as ações do Governo.
-dgm./18.07.2017
Publicado no Jornal dos Economistas, Corecon/Sindecon, Rio de Janeiro, no. 336, Agosto de 2017, p. 06-07.
Dércio Garcia Munhoz
Economista