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Novos Tempos – As Preocupantes Propostas de Reformas

 Novos Tempos – As Preocupantes Propostas de Reformas

  Toda mudança de Governo normalmente é acompanhada de uma grande expectativa sobre o que está por vir.  Tanto de parte dos eleitores vitoriosos, como daqueles não vitoriosos. Enquanto o chamado mercado espera que os ventos continuem soprando na direção dos interesses do capital financeiro.

    O clima que atualmente envolve o país é exatamente esse.  Mas com alguns ingredientes que tornam ainda mais nebulosas as expectativas.  Já que agora, quando as cortinas se abrem, algumas novas regras comandam o espetáculo, sob o comando do  liberalismo radical.   O primeiro ponto foi, repetindo experiências passadas,  gerar-se a desorganização da administração  de forma a, implantado o caos, criar-se uma dependência da nação frente aos novos senhores.  Um segundo desvario, e no mesmo contexto, foi, com a criação de um poderoso e centralizador Ministério da Economia, criar-se uma concentração absurda de poder, tornando refém o próprio Presidente da República.

    Seguem-se, na ânsia da modelação de um estado inerte, que embala os liberais de plantão, a liquidação das empresas estatais, sob o argumento grosseiramente falso de que assim se reduzirá a divida publica.   E, no bojo de propostas que chegam a ser hilariantes, busca-se, com a destruição da previdência publica, obter um trilhão de reais de economia, com as regras que postergam ou impedem o acesso à aposentadoria a milhões de trabalhadores predominantemente de baixa renda; ou reduzem brutalmente o benefício assistencial aos idosos. É um festival de sandice. De uma elite que, matreiramente, se esquece de anunciar que as despesas financeiras anuais do Governo,  da ordem de  R$ 400,0 bilhões – comprometem praticamente a  metade das receitas do Tesouro não vinculadas ao INSS.  Talvez alguém se lembre de adicionar um post scriptum à mensagem presidencial, lançando luzes sobre os objetos ocultos.

 A Desorganização da Estrutura Administrativa

   Uma primeira questão preocupante nos passos iniciais da nova administração é a forma como a estrutura administrativa federal foi corrompida. É certo que os Governos gostam de inovar, marcando a gestão.  Mas se deveria ter em conta que a administração pública configura, em realidade, um sistema orgânico de ramificações, tal qual uma arvore frondosa. Nele o tronco, e seus ramos mais próximos e mais desenvolvidos – na vida real, os Ministérios   têm papel essencial para a estabilidade do conjunto..  Diferentemente das ramificações secundárias, menos reflexivas quando afetadas por intervenções que alterem sua composição. 

     Na administração pública tem-se de ter a noção do que seja estrutural ou periférico.  E por mais que se deseje mudar, não se pode avançar além de certos limites sem uma prévia avaliação dos reflexos.  É por essa razão – para evitar precipitação em questão básica para a administração pública – é que a Constituição estabelece que a criação e extinção de ministérios dependem de aprovação do Congresso..

    O que se verifica no presente, porém, é a introdução açodada de modificações profundas na estrutura da administração federal através de Medida Provisória – o que cria efeitos imediatos e de problemática reversão  – com a extinção ou fragmentação de órgãos importantes,  como é o caso  do Ministério do Trabalho.  Configurando-se uma absurda  concentração de poder,  com  os antigos ministérios da Fazenda, Planejamento e Indústria e Comércio reunidos numa nova estrutura imperial, no pomposo  Ministério da Economia.

    Não era necessário  desmontar uma estrutura que tem caráter básico na administração federal.  A unicidade da política econômica – que é vital, mas não precisa e nem deve ser absoluta – pode e deve ser alcançada como uma conseqüência natural da existência de gestores com capacidade de concepção e formulação de um conjunto harmônico de objetivos e de instrumentos de implementação.  O que afasta a hipótese da inevitabilidade da desestruturação da máquina administrativa.  E nos últimos 50 anos várias foram as experiências de política econômica harmônica comandadas pelos Ministérios da Fazenda ou do Planejamento.  .

     A questão é de tal importância que, visando preservar a estabilidade institucional, a criação e extinção de ministérios deveriam figurar dentre as proibições que a Constituição estabelece para matérias que possam ser objeto de Medidas Provisórias.

A Pretendida Devastação das Empresas Estatais

          Acabar com as empresas estatais, é o canto entoado pelos discípulos de Chicago.  Rapidamente. Totalmente.  Completando um processo dito virtuoso de purificação do sistema econômico, cujos primeiros acordes foram ouvidos nos anos 80, quando a queima do patrimônio publico era colocada como a alternativa para obter dólares para pagamento da divida externa.  Na época, e dentro da linha do acordo de 1983 com o FMI,  além das restrições a  aumentos de capital, qualquer outro reforço do passivo financeiro –  empréstimos ou financiamentos internos ou empréstimos  e financiamentos  externos  passaram a ser considerados déficits públicos.  Num conjunto de aberrações que visaram deliberadamente o estrangulamento das empresas e o impedimento de investimentos inovadores.      

          As estatais, utilizadas antes, ainda nos anos 70, como instrumentos de captação de empréstimos em dólares para manter a solvência externa do país – as reservas internacionais estavam exauridas – passaram a ser condenadas como responsáveis pelo endividamento externo,  invertendo a  lógica dos fatos.  Esse apenas mais um dos inúmeros episódios que vem marcando a vida das estatais brasileiras.  Sempre alvo da gula do mercado para avanços sobre o patrimônio público.  Proclamando a busca de eficiência, como se alegava quando da privatização do hoje  altamente ineficiente setor energético. 

        A pretendida liquidação das estatais brasileiras faz lembrar o furor, que aparentava apenas ideológico,  quando da dissolução da União Soviética, tirando das mãos do estado um grupo de grandes empresas estatais de áreas estratégicas, que depois surgiriam, como uma dádiva,  nas mãos de figuras importantes do antigo regime.    

    A Chocante Proposta de Reforma da Previdência

          A reforma da previdência constitui o terceiro carro-chefe das mudanças de caráter estrutural que embalam o novo Governo.  E, no caso, não se trata de reforma, já que o Governo centra seus foguetes sobre a previdência publica, para a qual procura, envolta num falso espírito de defesa, de fato a sua  destruição.    Seguindo as pegadas do modelo Pinochet, no Chile,  coincidentemente um fruto dos Chicago Boys dos anos 80.

    Não se pode, aliás, falar em reforma da previdência como se se tratasse de amoldar um conjunto de questões com um mínimo de harmonia.   Não. O que existe, de fato, e deveria ser tratado em projetos de lei específicos, separados, é a previdência do setor publico federal, a previdência do setor publico estadual e municipal, a previdência publica urbana (Regime Geral), o benefício assistencial ao trabalhador rural, e o benefício  assistencial a idosos e inválidos.  Cada um é cada um.  Misturar tudo, como fez o Governo, tem o efeito, talvez desejado por alguns, de reduzir a visibilidade quanto à natureza diversa das questões, suas especificidades e possíveis formas diferenciadas de enfrentamento.

         A estruturação de uma previdência social nos moldes dos fundos de pensão das estatais para os servidores federais pré-2003, e outra voltada para servidores de estados e municípios, pode constituir um avanço, ainda que tardio.  Mas os Governos terão de montar um sistema no qual assumam o passivo previdenciário quando da aposentadoria do servidor – encargos futuros relacionados ao tempo passado, e até a nova criação; cabendo aos fundos a responsabilidade pelos encargos previdenciários decorrentes do tempo futuro da vida laboral.  Uma insensatez pretender que ativos e inativos financiem as aposentadorias do setor público, já que a contribuição de equilíbrio seria da ordem de 40,0%;  que, somado  ao imposto de renda,  lavaria a economia para a vala de recessão permanente.

        A previdência social publica urbana (RG), altamente superavitária até a crise que devastou o mercado de trabalho, não tem maiores problemas e novamente se reequilibrará com uma futura retomada da economia.  Meta que a reforma proposta, se aprovada  transformaria  em um uma ilusão.  Surpreende, portanto, que é exatamente sobre a previdência urbana que o governo lança seu ataque devorador, na busca dos trilhões de reais para cobrir ao menos parte das despesas com juros,  na ciranda financeira responsável por  uma divida pública monumental.

       O benefício assistencial ao trabalhador rural absorve mais de R$ 100,0 bilhões anuais  do orçamento fiscal – sustentados por fontes tais como o COFINS, no  núcleo da Seguridade delineado na Constituição de 1988.  Reclassificando tal gasto como de caráter assistencial, é possível e necessário rever incidências e isenções das contribuições, dentro do próprio segmento rural.

      O ultimo destaque dos gastos impropriamente colocados como previdenciários – o abono assistencial  para idosos e inválidos    não pode ser friamente mutilado, como prevê a reforma.   E não apenas porque surgira ainda em 1974 como um retrato da sensibilidade social do Presidente Geisel, e de Ministros da estatura de Severo Gomes.  Mas também porque milhões de brasileiros sob tal cobertura são apenas trabalhadores que se viram impedidos de aposentar quando a malfadada reforma de 1998 passou a exigir 15 anos de contribuição a cidadãos que pouco, ou nunca  tiveram uma carteira profissional exatamente por inépcia do Governo.

 

 

Publicado no Jornal dos Economistas, n. 355, março/2019–Conselho Regional de Economia,  Rio de Janeiro.

-dgm./21-02-2019

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foto autor do post

Dércio Garcia Munhoz

Economista