Fechar

III – A Crise:    S.O.S. – Com as Filas da Caixa, Aglomerações Iguais às de 400 Fla x Flu

A CRISE (III)     S.O.S. –  COM AS FILAS DA CAIXA, AGLOMERAÇÕES IGUAIS ÀS DE  400  Fla x Flu

Dercio Garcia Munhoz.  Economista Emérito pelo Corecon-DF.   Foi  Professor Titular de Economia da UNB.  Ex-Presidente do Conselho Federal de Economia e do Conselho Nacional da Previdência Social

            A explosão no numero de óbitos no Brasil desde o inicio de abril, por infecção do  coronavírus, colocou a população em estado de choque, produzindo um sentimento generalizado de impotência diante de um inimigo mortal.  .

            Muitas considerações poderiam ser feitas aqui, com caráter introdutório.  Mas isso, dada a urgência na busca de ações complementares ou alternativas, fica para uma outra seção. Neste inicio cabem perguntas tais como:  do que nos descuidamos ?  onde erramos ?  seria irretorquível a estratégia até agora seguida ?

           Muitas atividades econômicas foram suspensas – especialmente no pequeno e médio comércio, bares e restaurantes. Medidas restritivas com caráter impositivo, ao nível individual, visando reduzir o fluxo de pessoas nas ruas dos centros urbanos e no sistema de transportes, de algum modo vem vigorando desde março ou abril; com resultados visíveis, ainda que claramente insatisfatórios nos bairros periféricos das capitais e de grandes cidades, e nos  núcleos populacionais interioranos.  Mas, se estes reparos pudessem justificar o insucesso em conter a expansão no numero de infectados e no número de mortos, jamais poderiam explicar o crescimento quase exponencial, nos últimos 30 dias, na quantidade de óbitos ligados à pandemia; como vem ocorrendo com maior ênfase no cinturão de grandes metrópoles, como Rio e São Paulo, ou no sentido do interior,  e ainda na direção das capitais de estado do Norte e do Nordeste.

         Essa preocupante proliferação do coronavírus desde a segunda semana de abril, num ritmo que aparenta fora de controle, vem sendo apontada por diferentes analistas como fruto de um deslocamento do vírus, de seu habitat inicial pós-importação – os bairros nobres dos grandes centros – na direção de comunidades pobres do seu entorno.  Alcançando uma população, pouco lembrada pelos governos e pelos governantes, que veria agravadas suas condições de penúria na medida em que o mecanismo de defesa acionado pelas autoridades – o chamado isolamento social,  o único recurso que parece disponível    fez desaparecerem milhões de empregos e de outras alternativas de sobrevivência.

         Não se pode olvidar, por outro lado, que essa mesma população já enfrentava, desde 2015, os efeitos devastadores da crise profunda que a elevação persistente das taxas de juros, pelo Banco Central, produziu;  já que, ao multiplicar  a divida das famílias, daí reduzindo o seu poder de compra, provocou, na sequência, a destruição de empregos e de rendas do trabalho.

        Repete-se agora, portanto, na etapa da pandemia, o desaparecimento de outros milhões de empregos que haviam sobrado após as desventuras que a precederam.   E com isso são varridas as parcas oportunidades de sobrevivência dos 20,0 milhões de desempregados e desalentados. Todos constituindo um grupo marginalizado que, pomposamente, setores do Governo gostam de designar como autônomos, como se fora opção por atividade alternativa.

      COMO  A  INSENSATEZ  DO  GOVERNO  LEVOU  A  UMA  SITUAÇÃO  CAOTICA

           O Governo, nessa e em questões que as trombetas oficiais proclamam, sem pudor, como reformas salvadoras, tem revelado uma capacidade infinita de errar.  E, agora, mais uma vez. Quando, criado o abono de emergência, se descuidou totalmente quanto aos riscos da aglomeração que tenderia a ocorrer; ainda mais com  a  concomitância no pagamento do abono e da Bolsa Família.

          Essa mais recente e grave omissão se debita àqueles que, no Governo, tem a responsabilidade por definir estratégias; no caso, os setores envolvidos na operacionalização do beneficio social.  Mas nada disso surpreende se a administração  sempre desdenhou o impacto da aglomeração na propagação da pandemia. E, ainda mais quando membros destacados do Governo, em êxtase e desconectados da realidade dos números, se mostram mais preocupados em produzir ataques histéricos aos servidores, ou em alimentar a velha lengalenga das glorias infinitas do estado menor.

         A conseqüência é que partiu-se de forma totalmente improvisada para o pagamento do abono de emergência a milhões de pessoas ávidas à espera do auxilio.  E o resultado foram quilométricas aglomerações nas milhares de agências da Caixa Econômica Federal, com incessante ir-e-vir de uma multidão, na tentativa de fazer cadastros, desbloquear registros, recompor documentação, sacar o abono, etc., etc.  Numa situação de proximidade física que o Ministério da Saúde, e uma infinidade de especialistas, sempre recomendaram que fosse evitada.  E, como seria de esperar, com a grande maioria por longo tempo comparecendo desprovida de mascaras;  de algum modo refletindo o  desdém do Governo.

        Coincidentemente, logo após iniciado o pagamento do abono – na primeira etapa, mais critica, que durou de 09 de abril a aproximadamente 10 de maio – o número semanal de óbitos causados pelo vírus saltou de 572 para 931 (semana de 09 a 15.04), 1172 (de 16 a 22.04); 2567  (23 a 29.04), 3052  (30.04 a 06.05),  alcançando agora inimagináveis 4.613 óbitos (entre 07 e 13.05).    E o número acumulado de mortes, que era de 242 no inicio de abril, já se aproximava de 16,0 mil no dia 16 de maio, quando os óbitos diários já superavam 800 !

        É plausível concluir, portanto, que foram as aglomerações para o recebimento do abono emergencial, em abril, as principais responsáveis, senão únicas, pela rápida multiplicação do coronavírus no Brasil, que se presencia. E, no cenário sombrio, governadores e prefeitos, sob intenso bombardeio, situam-se como entre o mar e o rochedo. 

         Os números são impressionantes. As conclusões, altamente preocupantes.  É imperioso registrar que, trabalhando com estimativas de fluxo de pessoas de apenas 15 dias de atendimento bancário (quando de fato foram 30 dias, nessa etapa), as agências da Caixa teriam atraído diariamente, nesse período   incluídas as idas-e-vindas perto de 2,0 milhões de pessoas;  do que resulta uma média diária próxima de 400 atendimentos por agência.

          E para que se tenha idéia do que significam tais números, basta considerar que essa massa humana, acotovelada como resultado de uma estratégia irracional, equivale, em termos de aglomeração, ao total de torcedores de 400 jogos padrão FLA x FLU.  Isto é, Maracanã lotado.   Em verdade seria muito mais, dado o longo tempo de espera nas filas. . 

          Nesse episódio das aglomerações, é essencial reconhecer que a Caixa Econômica, e seu qualificado quadro de servidores, também tem sido apenas vitimas.  Enquanto milhares de médicos, enfermeiros e muitos outros profissionais, direta ou indiretamente à frente no campo de batalha, são os anônimos e abnegados heróis da historia.

     O QUE FAZER NUMA EMERGÊNCIA EM QUE TUDO O MAIS SEJA IRRELEVANTE ?

        Neste primeiro momento, nada de discutir a validade do isolamento, remédios experimentais, ou o que pensa o posto Ipiranga ou o que querem os empresários.  Tudo isso fica para depois, nos próximos dias, nas próximas semanas talvez.  Agora a questão essencial é definir a estratégia para se enfrentar, como em Leningrado e na Normandia nos anos 1940, a mãe de todas as batalhas.  Ou, como controlar a besta.  E para isso, e sem outras pretensões,  me atrevo a algumas sugestões:

a) a suspensão da segunda fase do programa de abono por alguns dias, até que sejam definidos critérios que levem a filas sanitariamente recomendadas e humanamente suportáveis; dentre outras coisas segmentado o atendimentos na Caixa em dois grupos –  o da manhã e o da tarde;

b) a avaliação quanto à participação de todos os bancos no programa, durante 10 ou 15 dias e em horário parcial, para atendimento do grupo de contas digitais, ou de parte dos recém qualificados;  o que permitiria deslocar um mínimo de 20,0 milhões de pessoas não correntistas da Caixa, encurtando consideravelmente as filas e o tempo de espera;

e) inicio imediato, e com caráter de urgência, de pesquisas que permitam uma radiografia dos caminhos da propagação do vírus. Para isso – tendo por bases bairros de diferentes tamanhos e características sócio-econômicas não homogêneas, em algumas das cidades do Centro Sul, do Norte e do Nordeste – fazendo o cruzamento dos nomes que constavam originariamente das listagens de trabalho da Caixa (pedidos atendidos, pedidos pendentes e pedidos recusados),  com:  (i) mortos, vitimas do Covid-19, com óbitos após 10 de abril;  (ii) pessoas dos grupos listados, vivas, que tenham acusado exame positivo depois de 10 de abril;  (iii) pessoas dos grupos que não figuram como infectados pelo vírus.

          Com tais dados – que talvez devam ser segmentados por cidade, bairros ou zona postal – e disso melhor sabem os especialistas – supõe-se ser possível melhor avaliar o impacto das aglomerações no numero de mortes; e também identificar o caminho do vírus no passado recente – no que certamente já trabalha o Ministério da Saúde – e sua provável propagação nos próximos dias e semanas.  E, a partir daí, iniciar-se uma estratégia de cerco.

         Quando o Governo se vê diante de um desafio desconhecido no passado, é importante que abra espaço para algumas reflexões. E, corrigindo-se, passe a atuar objetivamente.  Em todas as questões. Não só em relação diretamente à pandemia.

          É incompreensível, por exemplo, que em lugar de enfrentar as despesas fiscais extraordinárias, decorrentes da crise, através de colossais déficits orçamentários, não o faça com a constituição de um fundo com recursos não orçamentários – que o Governo detém (*); com os quais poderia inclusive recompor com realismo perdas de receitas do próprio orçamento federal, e dos estados e municípios.  Caminho que viabilizaria programas com muito maior alcance que os até agora anunciados – tanto na área da saúde como na ampliação do auxilio desemprego e na assistência social em favor de idosos e famílias  vulneráveis; de subsídios salariais em pequenas empresas, na preservação de empregos e rendas; e, dentre outros, na concessão de juros favorecidos para os setores cuja sobrevivência a paralisação de atividades tenha posto em risco.

         Estaria, assim, o Governo, ativando um importante instrumento de suporte voltado para atender necessidades presentes, e ajudar na reativação da economia, no pós-pandemia. Assumindo aquilo que é dever do que se chamaria um estado maior.  E de fácil implementação para um país que sorrateiramente gastou perto de dois trilhões de reais de juros apenas nos últimos cinco anos.  Ou algo como um bilhão de reais a cada 24 horas !  Capaz de, assim, torrar valor equivalente a uma Embraer  a cada cinco dias de um desatino sem fim !

dgm./17.05.20

(*)  v.  A Crise (I): Um Fundo de Emergência de Um Trilhão de Reais, Sem Mexer no Orçamento e Sem Aumento da Dívida Pública. In blog  www.economiasemrodeios.com.br).
                   Adendo:  Este texto segue completo como anexo, e está transcrito, ao lado de outros que também tratam da crise e seus reflexos,  no blog (www.economiasemrodeios.com.br).
              Veja mais no twitter (twitter/derciomunhoz) 
Compartilhar
foto autor do post

Dércio Garcia Munhoz

Economista